Capítulo 2: Esfigmomanômetro -DA INCRÍVEL HISTÓRIA DOS DISPOSITIVOS MÉDICOS


O Alerta Silencioso: A Lição de Dona Lúcia

Clara, 24 anos e recém-formada, mas já com a vivência intensa dos plantões hospitalares, visitava sua avó, Dona Lúcia, de 72 anos, em uma tarde de sábado. A casa de Dona Lúcia era o refúgio de Clara, cheia do cheiro de café fresco e carinho incondicional.

Naquele dia, porém, o ambiente estava atipicamente quieto. Dona Lúcia, geralmente um turbilhão de histórias e risadas, estava sentada no sofá, com a testa franzida.

"Vó, a senhora está bem? Está com uma carinha diferente", perguntou Clara, sentando-se ao lado dela e tocando gentilmente sua mão.

"Ah, minha flor. É só uma dor de cabeça chata. Um peso na nuca que não me larga. E estou meio enjoada, sabe? Mas não é nada, deve ser o calor", desconversou Dona Lúcia, tentando sorrir, mas a dor a impedia.

O instinto de enfermeira de Clara, aguçado pelos anos de formação e prática, disparou um alarme. A "dor de cabeça chata" e o "peso na nuca" eram queixas classicamente associadas à crise hipertensiva. Sem hesitar, ela disse:

"Vó, eu sei que a senhora não gosta de alarde, mas a gente vai conferir isso direitinho. Eu trouxe o meu 'amigo de plantão' aqui."

Clara abriu a bolsa e retirou o seu esfigmomanômetro aneroide – um equipamento simples, manual e confiável, que ela fazia questão de ter. Ela o pegou, junto com o estetoscópio, com a familiaridade de quem manuseia uma extensão do próprio corpo.

"A senhora pode esticar o braço, por favor? Vamos ver como está essa pressão arterial (PA)".

Dona Lúcia, acostumada com os "aparelhos digitais de pulso", observou a neta com uma ponta de ceticismo, mas permitiu. Clara posicionou o manguito firmemente, mas sem apertar demais, na altura do coração de sua avó. Ela inflou o manguito, sentindo o pulso desaparecer, e depois, com a precisão que a prática lhe deu, começou a desinflar lentamente, atenta ao mostrador do manômetro e ao ritmo do coração de sua avó pelo estetoscópio, procurando os sons de Korotkoff.

O silêncio foi quebrado apenas pelo leve chiado do ar escapando e, logo em seguida Clara ficou atenta ao tum-tum amplificado do pulso.

Clara sentiu um frio na barriga ao ler o resultado.

190 X 115 mmHg


O número era perigosamente alto. Não era apenas uma "pressão alta", era uma emergência hipertensiva em potencial. O pânico inicial ameaçou subir à sua garganta, mas o treinamento falou mais alto. Clara respirou fundo, manteve a calma, mas sua voz carregava uma firmeza inconfundível.

"Vó, a gente precisa agir. Sua pressão está em 19 por 11,5. Isso é muito alto e é o que está causando a dor de cabeça e isso é perigoso”.  Em silêncio lembrou que a avó corria um risco sério de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) ou até mesmo um Infarto do Miocárdio se a PA não baixar rápido.

Dona Lúcia empalideceu ao ouvir as palavras duras, mas necessárias.

Imediatamente, Clara agiu com o protocolo que conhecia: manteve a avó sentada, pediu que ela tentasse relaxar e imediatamente ligou para o serviço de emergência, descrevendo a situação de forma clara e objetiva: "Paciente de 72 anos, sexo feminino, queixa de cefaleia intensa e pressão arterial 190X115 mmHg aferida com esfigmomanômetro aneroide."

Em minutos que pareceram horas, a ambulância do Serviço Médico chegou. A equipe de paramédicos, ao reavaliar a pressão e confirmar os achados de Clara, parabenizou a enfermeira pela detecção precoce. O médico da equipe iniciou a medicação sublingual para a redução controlada da pressão e estabilizou Dona Lúcia para o transporte hospitalar.

A chegada ao hospital, sem ter havido uma perda de consciência ou um evento mais grave, fez toda a diferença. Dona Lúcia ficou em observação e recebeu o tratamento adequado para controlar a crise, evitando o dano a órgãos-alvo que a hipertensão descontrolada causa.

Dois dias depois, já em casa, Dona Lúcia abraçou a neta com lágrimas nos olhos.

"Clara, minha filha. Você salvou minha vida. Pensei que era só uma dorzinha boba. Eu sei que sou teimosa, mas nunca mais vou duvidar do seu 'aparelhinho'. O conhecimento que você tem, e aquele equipamento simples que estava na sua bolsa, evitaram o pior. Obrigada."

Clara sorriu, aliviada. A história não era apenas sobre o equipamento, mas sobre a habilidade da enfermagem em usá-lo com precisão e interpretar seus dados com agilidade clínica. Aquele episódio reafirmou a importância vital de mais uma tecnologia fundamental da enfermagem – o esfigmomanômetro. Ele não é apenas um aparelho de medição; é um dispositivo de alerta precoce, capaz de identificar silenciosamente a maior causa de mortalidade e morbidade cardiovascular, permitindo que a intervenção chegue a tempo de salvar vidas.


Histórico do Esfigmomanômetro: Precursores e Invenção: A Longa Jornada para Medir a Pressão da Vida

A capacidade de medir a pressão arterial (PA) é, inegavelmente, um dos pilares da avaliação clínica e do raciocínio diagnóstico em Enfermagem. Contudo, essa medição não foi trivial; exigiu séculos de tentativas e erros até que se chegasse ao equipamento que hoje usamos rotineiramente e carregamos em nossas bolsas: o esfigmomanômetro. A história de sua invenção é uma fascinante mistura de curiosidade científica e necessidade clínica.

O Início Cruento: Stephen Hales (1733)

O primeiro registro de uma medição da pressão arterial é creditado ao reverendo e fisiologista inglês Stephen Hales em 1733. Em um experimento que, pelos padrões atuais, seria considerado extremamente invasivo, Hales buscou quantificar a "força do sangue" – a pressão hidrostática – dentro das artérias.

Ele utilizou um cavalo como modelo, inserindo um longo tubo de vidro (cerca de 3 metros de altura) diretamente na artéria carótida do animal. A coluna de sangue que subia no tubo funcionava como um rudimentar manômetro. Hales observou que o sangue subia até uma altura de aproximadamente nove pés (cerca de 2,7 metros).

Fato Científico: Embora fosse uma medição direta e cruenta (que exige a canulação de uma artéria), o experimento de Hales estabeleceu o conceito fundamental de que a pressão arterial é uma força física mensurável, essencial para o estudo da hemodinâmica. No entanto, este método era, obviamente, impraticável para uso em seres humanos.

A Busca pelo Método Indireto

A partir de Hales, o desafio científico passou a ser desenvolver um método indireto – ou seja, medir a pressão sem a necessidade de perfurar a artéria.

  • Jean Léonard Marie Poiseuille (1828): Inventou o hemomanômetro de mercúrio, que utilizava a pressão da coluna de mercúrio para contrabalançar e medir a PA de animais, mantendo o princípio da medição direta.

  • Karl Vierordt (1855): Criou o primeiro dispositivo a usar um método indireto. Ele aplicava uma força externa sobre a artéria radial e estimava a pressão baseada na força necessária para obliterar o pulso. Era subjetivo, mas marcava a transição para métodos não invasivos.

  • Étienne-Jules Marey (1876): Desenvolveu um dispositivo que aplicava a pressão com água e utilizava um manômetro para obter uma leitura, refinando a técnica indireta.

A Invenção Revolucionária: Scipione Riva-Rocci (1896)

O ponto de virada decisivo, que deu origem ao esfigmomanômetro que conhecemos, ocorreu em 1896 na Itália, pelas mãos do médico Scipione Riva-Rocci.

Riva-Rocci simplificou e aperfeiçoou os conceitos anteriores, criando um instrumento prático e clinicamente viável:

  1. O Manguito Inflável: O componente mais inovador. Consistia em um manguito de borracha que era inflado ao redor do braço para interromper o fluxo sanguíneo na artéria braquial.

  2. O Manômetro de Mercúrio: Um tubo de vidro preenchido com mercúrio, conectado ao manguito, que traduzia a pressão do ar em uma leitura numérica confiável.

  3. A Técnica de Oclusão: A pressão era aumentada até que o pulso radial desaparecesse (o ponto de pressão sistólica).

Evidência Científica: Embora Riva-Rocci tenha fornecido o aparelho, sua técnica era limitada, pois só permitia a aferição da Pressão Arterial Sistólica (PAS), ou seja, a pressão máxima. A verdadeira revolução na metodologia de aferição veio em 1905, quando o médico russo Nikolai Korotkoff descreveu os sons característicos (os Sons de Korotkoff) ouvidos com o estetoscópio sobre a artéria braquial durante a desinsuflação do manguito. A combinação do esfigmomanômetro de Riva-Rocci com a técnica de Korotkoff tornou possível a medição precisa tanto da PAS quanto da Pressão Arterial Diastólica (PAD), consolidando o método auscultatório como padrão ouro.

O Avanço de Korotkoff: O ponto de virada na história do esfigmomanômetro veio com o cirurgião russo Nikolai Korotkoff em 1905, que descobriu que podia ouvir os sons da artéria ao desinflar o manguito, permitindo a medição precisa da pressão sistólica e diastólica. 

Os Sons de Korotkoff: A Voz da Artéria

Os Sons de Korotkoff são os ruídos distintos ouvidos através de um estetoscópio sobre a artéria braquial (ou outra artéria, como a poplítea) enquanto a pressão no manguito do esfigmomanômetro é liberada gradualmente. Eles foram descritos pela primeira vez em 1905 pelo cirurgião russo Nikolai Korotkoff, que associou esses sons à pressão do sangue fluindo através da artéria parcialmente ocluída.

O Fenômeno Fisiológico

Quando o manguito é insuflado acima da Pressão Arterial Sistólica (PAS), a artéria é totalmente comprimida, e o fluxo sanguíneo é interrompido. Nessa fase, não se ouve som algum.

Ao desinsuflar lentamente o manguito, a pressão externa (do manguito) cai abaixo da pressão de pico interna (sistólica) do sangue. O sangue começa a escoar através da artéria, mas de forma turbulenta e intermitente, criando os sons audíveis.

As Cinco Fases dos Sons de Korotkoff

Os Sons de Korotkoff são tradicionalmente divididos em cinco fases distintas, que são cruciais para a determinação da Pressão Arterial Sistólica (PAS) e da Pressão Arterial Diastólica (PAD):


FASES

DESCRIÇÃO AUDITIVA

SIGNIFICADO CLÍNICO

I

Sons de batida claros, fortes e repetitivos (o primeiro som audível

Marca a Pressão Arterial Sistólica (PAS). É o momento em que a pressão do manguito se iguala à pressão máxima de ejeção do coração.

II

Os sons tornam-se mais suaves, em forma de sopro ou murmúrio.

O fluxo sanguíneo ainda é turbulento, mas a artéria não está mais totalmente comprimida.

III

Os sons se tornam novamente mais nítidos e altos, com um som de "clique" ou "batida" claro.

A pressão no manguito continua a cair, permitindo maior fluxo, mas o vaso ainda está parcialmente comprimido.

IV

Os sons tornam-se abafados, suaves e menos claros, adquirindo um som sibilante.

Marca a Pressão Arterial Diastólica (PAD) em alguns grupos populacionais (especialmente crianças e gestantes). A turbulência do fluxo diminui significativamente.

V

O silêncio total. O som desaparece completamente.

Marca a Pressão Arterial Diastólica (PAD). É o ponto em que a pressão do manguito não mais obstrui o vaso, e o fluxo se torna laminar novamente.


Uso na Técnica Auscultatória

A técnica auscultatória padrão para a Enfermagem utiliza as Fases I e V:

  1. Medição da PAS (Sistólica): O enfermeiro(a) registra o valor no manômetro no exato momento em que ouve o primeiro som claro e constante (Fase I).

  2. Medição da PAD (Diastólica): O enfermeiro(a) registra o valor no manômetro no exato momento em que os sons desaparecem completamente (Fase V).

Importância Clínica para a Enfermagem:

A proficiência na ausculta dos Sons de Korotkoff é o padrão ouro na avaliação da pressão arterial. Ela permite ao enfermeiro detectar fenômenos importantes, como o "hiato auscultatório" (um período de silêncio entre as Fases I e II, comum em pacientes hipertensos), que se não for reconhecido, pode levar a uma subestimação perigosa da PAS. Dominar a técnica auscultatória e interpretar corretamente os Sons de Korotkoff garante a coleta de dados vitais precisos, essenciais para o planejamento e a avaliação do cuidado.

O legado do modelo de Riva-Rocci perdurou por mais de um século, com o esfigmomanômetro de coluna de mercúrio sendo o padrão de referência mundial devido à sua exatidão.


Relevância no Contexto Atual e Regulamentação

Regulamentação Brasileira:

  • ANVISA e Legislação Atual: Embora o princípio de Riva-Rocci seja eterno, o uso do mercúrio no Brasil foi drasticamente limitado. A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 145/2017 da ANVISA proibiu a fabricação, importação, e comercialização de termômetros e esfigmomanômetros com coluna de mercúrio no país, alinhando-se à Convenção de Minamata sobre Mercúrio, da qual o Brasil é signatário.

  • O Legado para a Enfermagem: Essa legislação atual confirma a transição para os modelos aneroides (mecânicos com ponteiro) e os digitais, exigindo da Enfermagem uma proficiência técnica ainda maior. Hoje, cabe ao profissional não só saber manusear o equipamento, mas também garantir a sua calibração periódica, um requisito legal e ético para assegurar a veracidade dos dados vitais coletados. A precisão na aferição da pressão arterial, possibilitada pelos precursores do século XVIII e XIX, é a base para qualquer plano de cuidados.




Evolução Tecnológica: Da Coluna de Mercúrio ao Pulso Digital

A medição indireta da pressão arterial, estabelecida por Riva-Rocci e aperfeiçoada por Korotkoff, permaneceu com poucas alterações conceituais por mais de um século, mas passou por uma revolução em seus componentes. A evolução tecnológica do esfigmomanômetro foi impulsionada por dois fatores principais: a busca por maior praticidade e, mais recentemente, a preocupação com a segurança ambiental.

1. O Padrão Ouro: Esfigmomanômetro de Mercúrio

Por décadas, o esfigmomanômetro de coluna de mercúrio foi considerado o padrão ouro da esfigmomanometria.

  • Princípio de Ação: A pressão do manguito era medida diretamente pela altura que ela elevava uma coluna de mercúrio dentro de um tubo de vidro. O mercúrio, sendo extremamente denso, oferecia uma medição de alta precisão e não era suscetível a desvios de calibração frequentes.

  • Declínio e Proibição: Sua precisão era inquestionável, mas o risco ambiental e toxicológico associado ao mercúrio levou à sua proibição global (conforme a Convenção de Minamata e a RDC nº 145/2017 da ANVISA no Brasil). A Enfermagem moderna, portanto, deve basear sua prática em tecnologias alternativas confiáveis.

2. A Alternativa Mecânica: Esfigmomanômetro Aneroide (Com Ponteiro)

Com a saída do mercúrio, o modelo aneroide (do grego, "sem líquido") tornou-se o principal substituto para a aferição manual por meio do método auscultatório.

  • Princípio de Ação: Utiliza um sistema de engrenagens e uma cápsula metálica sensível à pressão (cápsula aneroide ou de Bourdon). A pressão no manguito comprime essa cápsula, e o movimento é transmitido a um ponteiro em um mostrador circular, fornecendo a leitura em mmHg (milímetros de mercúrio).

  • Vantagens: Portátil, leve, não tóxico e de fácil utilização em qualquer ambiente (domiciliar, ambulatorial ou hospitalar).

  • Desvantagem e Cuidado Essencial: A principal limitação dos modelos aneroides é sua suscetibilidade à descalibração. Impactos, quedas ou manuseio inadequado podem afetar rapidamente a precisão do mecanismo interno.

Ponto-Chave para a Enfermagem: O profissional deve assegurar que o aparelho aneroide seja submetido à calibração regular, idealmente a cada 6 a 12 meses, conforme as recomendações dos fabricantes e órgãos reguladores. Um aneroide descalibrado pode subestimar ou superestimar a PA em até 10 mmHg ou mais, levando a erros graves no diagnóstico e tratamento da hipertensão.

3. A Praticidade da Era Moderna: Dispositivos Digitais Automáticos (Oscilométricos)

A mais recente e disseminada evolução é o esfigmomanômetro digital automático, que domina o uso doméstico e crescente parte do uso clínico.

  • Princípio de Ação: Estes dispositivos utilizam o método oscilométrico em vez da ausculta. Eles medem as oscilações (vibrações) geradas pelo pulso arterial na parede do vaso enquanto o manguito desinfla. O aparelho usa algoritmos complexos para calcular e exibir a PAS, a PAD e, muitas vezes, a frequência cardíaca.

  • Vantagens:

    • Facilidade de Uso: Elimina a necessidade de um estetoscópio e a habilidade auditiva para identificar os Sons de Korotkoff, tornando-o ideal para o automonitoramento..

    • Eliminação do Erro do Observador: Reduz a variabilidade de medição causada por erros de técnica ou subjetividade do profissional.

  • Desvantagens e Desafios:

    • Precisão em Condições Específicas: Podem ser menos precisos em pacientes com arritmias (como Fibrilação Atrial), tremores ou em casos de hipotensão e choque, onde as oscilações do pulso são fracas.

    • Necessidade de Calibração: Assim como os aneroides, os digitais exigem calibração regular para verificar a exatidão de seus sensores e algoritmos. A calibração (ou verificação da conformidade com um padrão rastreável) é fundamental para manter a confiabilidade dos dados.

Importância para a Prática de Enfermagem

A transição tecnológica visa simplificar a aferição, mas a responsabilidade do profissional de Enfermagem permanece inalterada. Seja com o aneroide (auscultatório) ou o digital (oscilométrico).

A acurácia é a base da segurança do paciente. O equipamento, por mais moderno que seja, só é confiável se estiver calibrado. A Enfermagem deve priorizar o uso de aparelhos validados e manter um rigoroso controle sobre a manutenção e calibração de todos os esfigmomanômetros utilizados na sua prática clínica e nas orientações aos pacientes.

PALAVRA CHAVE: MERCÚRIO



Precauções, Perigos e Cuidados Essenciais com o Esfigmomanômetro

A medição da pressão arterial é uma arte que combina técnica e tecnologia. Para garantir que a leitura seja precisa e clinicamente útil, a enfermeira deve estar atenta aos perigos associados a cada tipo de dispositivo e seguir um protocolo rigoroso de cuidados.

1. Dispositivos de Mercúrio: Uma Ameaça Banida

Os esfigmomanômetros de coluna de mercúrio foram, por muito tempo, o padrão de referência, mas representavam um grave risco:

  • Toxicidade Ambiental e Humana: O mercúrio é uma substância neurotóxica. Em caso de quebra acidental do aparelho, a exposição ao vapor de mercúrio ou a sua dispersão no ambiente é extremamente perigosa.

2. Cuidados com Dispositivos Aneroides (Com Ponteiro)

Os modelos aneroides são robustos, mas sensíveis à manutenção, e exigem vigilância constante:

  • A Importância Crítica da Calibração: O principal perigo dos aneroides é a leitura imprecisa devido à descalibração. A mola interna e as engrenagens podem ser facilmente afetadas. O ponteiro deve estar sempre no zero quando o manguito estiver desinsuflado.

  • Perigo do Manuseio Brusco: Quedas, batidas ou mesmo o manuseio brusco do ponteiro podem descalibrar o aparelho, levando a erros de até 10 mmHg ou mais.

  • Ação da Enfermeira: É responsabilidade da equipe de Enfermagem verificar a calibração do aparelho aneroide com frequência. Recomenda-se a calibração regular (no mínimo, anual) e a verificação imediata após qualquer impacto ou queda.

3. Cuidados com Dispositivos Digitais Automáticos (Oscilométricos)

Os dispositivos digitais oferecem conveniência, mas dependem de eletrônica e sensores, exigindo cuidados específicos:

  • Baterias e Energia: Garanta que as baterias estejam sempre carregadas e em bom estado. Leituras inconsistentes ou intermitentes podem ser um sinal de bateria fraca, comprometendo a precisão dos algoritmos oscilométricos.

  • Posicionamento do Manguito e Sensor: A correta colocação é vital. A marca indicativa do manguito (geralmente uma artéria) deve estar alinhada sobre a artéria braquial. O manguito deve estar justo, mas não apertado demais, permitindo a passagem de dois dedos.

  • Situações que Causam Imprecisão: Os digitais são sensíveis a interferências no fluxo sanguíneo. Leituras imprecisas podem ocorrer devido a:

    • Atividade Física: Medir a PA logo após o esforço físico ou ingestão de café/cigarro.

    • Arritmias: A irregularidade do batimento cardíaco (como fibrilação atrial) pode confundir o algoritmo do aparelho.

    • Movimento: Qualquer movimento do paciente durante a medição compromete o resultado.


Legislação Nacional: Conformidade, Segurança e Calibração

A prática da Enfermagem no Brasil é balizada por rigorosas normas de biossegurança e metrologia. No que diz respeito ao esfigmomanômetro, dois pilares regulatórios são indispensáveis para garantir tanto a saúde ambiental quanto a precisão clínica dos dados coletados.

1. O Banimento do Mercúrio: RDC ANVISA nº 145/2017

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), em alinhamento com compromissos internacionais (como a Convenção de Minamata), determinou o banimento dos equipamentos que utilizam substâncias tóxicas.

  • Afastamento Legal: Esses dispositivos foram banidos do uso em serviços de saúde no Brasil pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 145/2017 da ANVISA. A Enfermagem deve garantir que não haja mais esfigmomanômetros de mercúrio em uso nos ambientes clínicos sob sua responsabilidade, seguindo as diretrizes de descarte de resíduos tóxicos (Resolução RDC nº 222/2018).

  • Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 145, de 21 de março de 2017: Esta resolução proíbe, em todo o território nacional, a fabricação, importação e comercialização, assim como o uso em serviços de saúde, de todos os termômetros e esfigmomanômetros com coluna de mercúrio.

  • Implicação para a Enfermagem: A norma entrou em vigor a partir de 1º de janeiro de 2019. Para a prática, isso significa que o uso de esfigmomanômetros de mercúrio configura infração sanitária. A Enfermagem deve assegurar que todos os equipamentos em uso sejam modelos aneroides ou digitais, e que qualquer resíduo de mercúrio seja descartado conforme a legislação ambiental vigente (RDC nº 222/2018).

2. A Garantia da Precisão: Regulamentação do INMETRO

A precisão dos dispositivos de medição utilizados em diagnósticos e tratamentos é um requisito obrigatório no Brasil, fiscalizado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO).

  • Regulamentação Metrológica: O INMETRO exige que todos os instrumentos de medição de pressão arterial (aneroides e digitais) utilizados em hospitais, clínicas e consultórios sejam submetidos à verificação metrológica (calibração) periódica.

  • Garantia de Qualidade: Esta regulamentação assegura que o equipamento está medindo dentro das margens de erro aceitáveis. Para os esfigmomanômetros, essa verificação geralmente envolve um selo de conformidade e um certificado de calibração.

  • Responsabilidade da Enfermeira: O profissional não apenas deve saber usar a técnica correta, mas também tem a responsabilidade de verificar a validade do certificado de calibração do esfigmomanômetro antes de utilizá-lo. A coleta de dados vitais com um equipamento não calibrado compromete a segurança do paciente, podendo levar a diagnósticos errôneos de hipertensão ou hipotensão, impactando negativamente o plano de cuidados.

Em suma, a legislação brasileira estabelece que o equipamento não só deve ser seguro para o meio ambiente e o ser humano (ANVISA), mas também deve ser preciso e rastreável (INMETRO).


Os esfigmomanômetros são classificados no Brasil como Dispositivos Médicos e, portanto, estão sujeitos a um rigoroso controle sanitário e metrológico, sendo a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) a responsável pela regulação sanitária.


Revisando a aula de Introdução (caso não tenha lido, ver em postagem anterior mais detalhamento sobre a classificação da ANVISA)


Trâmites e Classificações do Esfigmomanômetro perante a ANVISA

O processo para que um esfigmomanômetro seja legalmente comercializado e utilizado em serviços de saúde no Brasil segue etapas de classificação de risco e regularização sanitária.

1. Classificação de Risco (RDC nº 751/2022 e posteriores)

Todo produto para saúde é classificado pela ANVISA em quatro classes de risco. Esta classificação determina o rigor do processo de regularização:

Classe de Risco

Nível de Risco

Abrangência do Risco

Classe I

Baixo Risco

Risco potencial mínimo.

Classe II

Médio Risco

Risco potencial moderado.

Classe III

Alto Risco

Risco potencial alto.

Classe IV

Máximo Risco

Risco potencial máximo.

O Esfigmomanômetro na Classificação

O esfigmomanômetro (tanto o aneroide quanto o digital/eletrônico) é geralmente classificado como um dispositivo de Classe II (Médio Risco).

  • Fundamentação: Embora seja um dispositivo não invasivo, a medição da pressão arterial é um dado vital crucial para o diagnóstico e monitoramento de condições graves (como a hipertensão). Um erro na medição pode levar a uma decisão clínica incorreta, o que justifica seu risco moderado.

  • Exceção Notável: Dispositivos com funções mais complexas ou destinados a populações de alto risco podem ser classificados de forma diferente, mas a maioria se enquadra na Classe II.

2. Trâmites de Regularização Sanitária (Registro ou Cadastro)

A classificação de risco determina o tipo de regularização obrigatória perante a ANVISA para que o produto seja considerado legal:

Classe de Risco

Trâmite de Regularização

Classe I e II

CADASTRO ou NOTIFICAÇÃO (em alguns casos).

Classe III e IV

REGISTRO (processo mais complexo e demorado).

Como o esfigmomanômetro é tipicamente Classe II, ele está sujeito ao processo de Cadastro ou Notificação.

  • Cadastro/Notificação: É um processo simplificado, no qual o fabricante ou importador informa à ANVISA sobre o produto e atesta que ele cumpre os requisitos técnicos e de qualidade estabelecidos. O número de regularização (Registro ANVISA) é essencial e deve estar presente na embalagem e no manual do produto.

  • Aprovação INMETRO como Pré-Requisito: A ANVISA exige que, antes de solicitar a regularização, o esfigmomanômetro (que é um instrumento de medição) já tenha recebido a Aprovação de Modelo e/ou a Certificação de Conformidade do INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia). O INMETRO é o órgão responsável por atestar a precisão metrológica do aparelho, garantindo que ele meça corretamente na escala de mmHg.

3. Vigilância Pós-Comercialização

Mesmo após a regularização, o esfigmomanômetro continua sob monitoramento da ANVISA:

  • Tecnovigilância: O profissional de Enfermagem tem um papel fundamental na Tecnovigilância. Qualquer evento adverso, mau funcionamento ou problema de qualidade grave relacionado ao esfigmomanômetro deve ser notificado à ANVISA (ou ao detentor do registro) para que a agência possa tomar medidas, como o recolhimento de lotes ou a revisão da regularização.

  • Fiscalização do Uso (RDC nº 145/2017): A ANVISA fiscaliza ativamente a proibição do uso de esfigmomanômetros de mercúrio. A RDC nº 145/2017 (hoje consolidada na RDC nº 922/2024) assegura que apenas dispositivos seguros e modernos sejam utilizados na prática clínica.

Em resumo, a garantia de que um esfigmomanômetro é seguro e preciso para uso em Enfermagem passa por um duplo crivo legal: o Registro/Notificação da ANVISA (que garante a segurança e a conformidade sanitária) e o Selo/Certificado do INMETRO (que atesta a precisão metrológica e a calibração inicial).

Verificação do aprendizado:  Esfigmomanômetro – Evolução, Cuidados e Regulamentação

Questão 1

Qual foi a principal justificativa da ANVISA, em alinhamento com a Convenção de Minamata, para proibir a fabricação, importação, comercialização e uso de esfigmomanômetros com coluna de mercúrio no Brasil, conforme a RDC nº 145/2017?



A. A baixa precisão metrológica dos aparelhos de mercúrio em comparação com os modelos aneroides e digitais.

 B. A necessidade de calibração frequente da coluna de mercúrio, o que aumentava os custos hospitalares. 

C. A toxicidade do mercúrio e o grave risco ambiental e neurotóxico em caso de quebra acidental ou descarte inadequado do aparelho. 

D. O alto custo de manutenção e a dificuldade de importação do mercúrio, devido a sanções internacionais.



Questão 2

De acordo com o texto, qual é a principal limitação e risco associado ao esfigmomanômetro aneroide (com ponteiro) que exige a calibração regular (no mínimo, anual) por parte do profissional de Enfermagem?



A. A dependência de bateria e a dificuldade de visualização do ponteiro em ambientes com pouca luz. 

B. A suscetibilidade à descalibração devido a impactos, quedas ou manuseio brusco, o que pode levar a erros de medição perigosos. 

C. A restrição do uso apenas a ambientes clínicos, sendo inadequado para o automonitoramento (MAPA).

 D. O risco de derramamento de mercúrio em caso de avaria, assim como nos modelos antigos.





Questão 3

Os dispositivos digitais automáticos utilizam o método oscilométrico e oferecem grande praticidade, mas são suscetíveis a erros em condições específicas. Qual das situações abaixo é citada como um fator que pode levar a leituras imprecisas com aparelhos digitais?


A. O uso de manguito exclusivamente de tamanho adulto, limitando sua aplicação em crianças e idosos. 

B. A necessidade de calibração exclusiva pelo INMETRO, sendo incompatível com outros laboratórios de metrologia. 

C. A medição em pacientes com arritmias (como Fibrilação Atrial), tremores ou a realização logo após o esforço físico. 

D. A dependência de um estetoscópio para identificar os Sons de Korotkoff, dificultando o uso doméstico.



Questão 4

O esfigmomanômetro, sendo um dispositivo médico para medição de dado vital crucial, é um Produto para Saúde (PPS). Em qual classe de risco, definida pela ANVISA, a maioria dos esfigmomanômetros (aneroides e digitais) é geralmente enquadrada, justificando o risco moderado em caso de erro na leitura?


A. Classe I (Baixo Risco), pois é um dispositivo não invasivo e simples. 

B. Classe II (Médio Risco), pois, embora não invasivo, um erro de leitura pode levar a uma decisão clínica incorreta com consequências moderadas. 

C. Classe III (Alto Risco), devido à sua necessidade de calibração constante pelo INMETRO. 

D. Classe IV (Máximo Risco), por ser essencial para o diagnóstico de doenças cardiovasculares.



Questão 5

No método auscultatório padrão (Riva-Rocci e Korotkoff), a determinação da Pressão Arterial Diastólica (PAD) é crucial. De acordo com os Sons de Korotkoff, qual fase é utilizada pela Enfermagem para registrar o valor da PAD?


A. Fase I, o primeiro som claro e constante, que marca o momento em que a pressão do manguito se iguala à pressão máxima de ejeção do coração. 

B. Fase II, onde os sons se tornam mais suaves, em forma de sopro ou murmúrio. 

C. Fase IV, onde os sons se tornam abafados e suaves, sendo utilizada apenas para populações específicas (como gestantes). 

D. Fase V, o ponto de silêncio total, que indica que a pressão do manguito não mais obstrui o vaso e o fluxo se torna laminar novamente.

Mais um dispositivo médico do dia a dia da Enfermagem desvendado!

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